Uma Chance ao Romantismo

Nos tempos áureos, Michael Jackson era um cantor de soul e rhythm and blues muito aclamado frente ao Jackson Five. Eram dele os agudos fenomenais propulsores de diversos romances iniciados na década de setenta. A sua voz, doce e poderosa, e seu indubitável carisma como performer sempre foram suas marcas registradas. Estes dois fatores foram os canalizadores do seu primeiro contrato como artista solo e, mais tarde, como artista da CBS, hoje Sony Music.
Atualmente, estamos vivendo uma fase semelhante, se não análoga. A única disparidade é que, agora, Michael se encontra num período turbulento junto a sua gravadora. Embora haja motivos suficientes para a sua saída, ainda existem possibilidades de negociações para que permaneça. No meio tempo, ele lança a música — no sentido genérico da palavra — que o consagrou como cantor. “One More Chance”, carro-chefe da nova compilação de grandes sucessos Number Ones, consegue reunir a simplicidade aliada à valorização da habilidade. E se a concepção da faixa pode ser considerada um parto, esta certamente nasceu de um parto normal. A combinação de elementos cai tão bem que não são necessários “muitos ouvidos” para que se perceba a essência da obra, que leva os créditos do cantor e produtor norte-americano R. Kelly.
“One More Chance” começa na herança do teclado de “She’s Out Of My Life”, só que mais rápido. A entrada da voz de Michael resgata o início de “Man In The Mirror” e a música ganha seu ritmo na clássica entrada dos tons de bateria. A melodia é bem mastigada; na medida. Michael volta a enfatizar a ressonância de sua voz ao propagar o som no céu da boca e ao utilizar seu vibrato característico como artifício de sustentação (vide a parte em que canta “gonna do my best to make it right”). O vocal se arrasta na beleza e simplicidade dos versos, o que imediatamente me faz lembrar da maneira despreocupada de cantar assumida em “The Girl Is Mine”. Sim, leitores, esta é uma música de best of.
A melodia progressiva do refrão é precedida pelos vocais de R. Kelly cantando “if you see her”, completados pela voz magistral de Michael; algo remanescente das baladas da Era Bad. O verso “hurts so bad, sometimes it’s hard to breathe” lembra “Push Me Away”; um Michael ainda mais jovem. As conexões musicais com o passado parecem re-ascender uma chama que estava começando a ganhar brilho no álbum anterior. É uma música romântica; um formato re-assumido pelo Rei do Pop em Invincible. A letra é tão simples quanto a música. Fala de alguém que cometeu erros e pede mais uma chance no amor, através de previsíveis metáforas como “eu velejaria os sete mares só para estar perto dela”. Tudo bem, Michael. Musicalidade em primeiro lugar.
Apesar da costumeira expectativa para a estréia da música nas listas de mais tocadas, “One More Chance” é uma canção que não implora pelo primeiro lugar. É sincera e objetiva; bela e simples. Se por acaso conseguir um lugar no topo, podemos começar a desconfiar de que os tempos estão mudando. E para melhor. Se bem que “o melhor ainda está por vir”...