por Souza Jamba
A eleição de Marcelina Vahekeni, do Cunene, como a Miss Angola 2011, resultou num debate muito angolano na Internet. Havia gente que insistia que, por ter feições marcadamente africanas, a jovem Marcelina Vayhkeni não irá, como a Leila Lopes, trazer para a nação mais um troféu de beleza internacional. Por mais absurdo e infantil que tal debate pareça, a mesma questão – sobre qual o padrão da beleza da mulher negra que melhor representa a raça – vem a ser levantada há muito tempo na comunidade afro-americana.
No seu livro, «Aint I a Beauty Queen? Black Women, Beauty and the Politics of Race» ou «Nao sou uma Miss? As Mulheres Negras, Beleza e a Política da Raça», Maxine Leeds Craig escreve sobre um concurso de beleza para mulheres negras em Nova Iorque, em 1947, que acabou em pugilato.
O júri tinha dado o título de vencedora a uma mulher com pele clara – enquanto que o público preferia uma de pele mais escura. No fim, depois da troca de uns bons socos, a escura ficou com a coroa. A partir do século dezanove, sempre houve concursos de misses nas comunidades afroamericanas.
Por muito tempo, as negras eram, por lei, proibidas de participar em concursos de beleza com brancas. É que, na ideologia que prevalecia no tempo, a mulher negra era tudo que a branca não era desleal, promíscua, feia e sem carácter.
Afirmar a beleza da mulher negra passou, então, a fazer parte da emancipação dos negros. Nos Estados Unidos, quem tinha uma gota de sangue negro deixava de ser branco; politicamente, isto significa que a definição de quem era negro passou a ser ampla.
Quando ao falecido Michael Jackson foi perguntado se o bébé que tinha era biologicamente dele, por causa do tom da pele do miúdo, que era claríssimo, ele respondeu que os negros vinham de várias cores. Historicamente, Michael Jackson tinha razão: são considerados afro-americanos gente tão clara que, em certas circunstancias, pode até ser considerada branca.Mas, neste caleidoscópio, qual é tom que melhor representaria a beleza da mulher negra? Tradicionalmente, na comunidade afro-americana, os concursos de misses foram sempre ganhos por mulheres claras. Isto tem, em parte, o que veio a ser chamado como o «colorismo»; o ideal da beleza na comunidade afro-americana foi sempre a mulher clara, com nariz aquilino e lábios fininhos. Mas, esta definição foi sempre contestada.
Os concursos de misses (entre os negros) eram promovidos por jornais negros nos quais se celebrava a beleza da mulher afroamericana mas dando ênfase à sua suposta descendência do Egipto antigo; a afro-americana, neste argumento, tinha vindo de Cleópatra e Nefertiti. As origens dos negros da costa do oeste do continente africano, assim como do reino do Congo eram ofuscadas.
As afro-americanas com feições marcadamente africanos–nariz achatado, pele escura, cabelo encaracolado – eram tidas como sendo feias. Jovens com estas feições eram sempre encorajadas a dedicarem-se aos estudos: «És tão escura que deves ter boas notas para no futuro obteres um bom emprego porque nenhum homem se vai casar contigo», dizia-se a elas. Várias pesquisas foram feitas sobre a atitude dos negros americanos em relação ao tom da pele e sempre se notou uma contradição marcante.
Em várias pesquisas, os participantes negros insistiam que o tom da pele não contava na escolha de uma esposa ou esposo. Porem, na realidade, notava-se que um numero elevadíssimo de homens negros bem sucedidos tinham esposas muito mais claras que eles.
Uma das razoes dadas para explicar isso é que a ansiedade à volta das feições distintivamente afros rende. Historicamente, na comunidade afro-americana o negócio que mais rendeu sempre foi o dos produtos de cabelo. As crianças negras, enquanto miúdas, tinham os seus cabelos em trancas; porém, logo que fossem adultas passavam a esticá-los com um ferro quente.
Só uma mulher negra maluca é que sairia à rua com o seu cabelo
natural. E foi precisamente isso que aconteceu nos anos 60 com o surgimento do que foi descrito como «black consciousness» – ou a consciência negra. Activistas como a Angela Davis começaram a aparecer com o seu cabelo natural. Surgiu, então, a moda do cabelo afro. É interessante que os que mais não gostaram do estilo afro foram precisamente os negros.
E isto nos traz a bronca à volta da Mercelina Vahekeni. Os que mais andam a dizer que ela não tem qualidades para representar Angola em circuitos internacionais de beleza são os negros. São os negros que encarnaram a noção de que as mais belas feições de uma mulher negra são aquelas que são marcadamente caucasianas.
No Facebook, houve até propostas completamente absurdas em como o Estado angolano deveria dar algumas verbas para a Marcelina Vahekeni ir ao Brasil para cirurgiões brasileiros trabalharem a sua cara, a fim de abafarem os seus aspectos bantus. Só que a falta de autoconfiança numa faixa de uma comunidadepode, também, resultar em ódios e extremismos. Há, entre os afro-americanos, gente que não pode com pele clara e que insiste que as mulheres têm sempre que manter os seus cabelos num estado natural.
Eles recusam celebrar a diversidade da comunidade afroamericana. Muitos deles insistem que há um esquema para humilhar os negros. Eles apontam o facto de que a cantora Beyonce, por exemplo, aparece nas capas de revistas de moda sendo mais clara do que é na realidade. Eles questionam a lógica que está por detrás do facto de que todo o reclame destinado aos negros figura gente com um tom de pele claríssimo. Recentemente, muitos ficaram ainda mais furiosos quando a revista Essence – dirigida a mulheres negras – empregou como directora da secção de moda uma senhora branca.
Nisto tudo, a solução reside num verdadeiro diálogo e compreensão mútua. Se se der bonecas para escolher, meninos e meninas negras ainda escolhem as brancas, argumentando que são mais lindas. Nos anos 60, vários activistas negros foram gritando «Black is beautiful» - ou «O negro é lindo». Porém, a venda de cremes para clarear a pele continua a ser um grande negócio entre os afro-americanos.
AngoNotícias / Seminário Angolense